o poema da minha rua teima <br />em negar a rotação <br />da terra <br />enquanto se deita a ver <br />o sol que nasce e se ergue e se põe <br />imagina o mesmo que outros <br />antes dele imaginaram <br />uma espécie de orfeu e de eurídice <br />para o sol e a lua <br />por vezes ambos surgem nas alturas <br />talvez <br />diz o poema <br />seja efeito da música de orfeu <br />que seus próprios sentidos engana <br />talvez <br />como talvez a terra gire em torno <br />do sol talvez <br />como talvez não seja efeito algum <br />de música alguma <br />mas dos copos bebidos ao final <br />da tarde no café da dona isilda <br />e do senhor agostinho <br />no mercado das almas de freire <br />talvez <br />mas não é talvez <br />a altura em que o poema se consola <br />livre que está de cirurgias <br />mesmo que estéticas <br />dormindo inacabado no caderno <br />sonhando desejando ali ficar <br />simplesmente inacabado <br />porque poema algum deseja o fim <br />sufocar entre páginas de um livro <br />condenado ao pó <br />ao pó da indiferença <br />enquanto isso <br />o poeta despede-se do verso <br />do último verso escrito <br />como se alguma vez se despedisse <br />bebe cerveja e pergunta <br />artur <br />como andam os gatos <br /> <br />Xavier Zarco