Tu disseste "quero saborear o infinito" <br />Eu disse "a frescura das maçãs matinais revela-nos segredos insondáveis" <br />Tu disseste "sentir a aragem que balança os dependurados" <br />Eu disse "é o medo o que nos vem acariciar" <br />Tu disseste "eu também já tive medo. muito medo. recusava-me a abrir a janela, a transpôr o limiar da porta" <br />Eu disse "acabamos a gostar do medo, do arrepio que nos suspende a fala" <br />Tu disseste "um dia fiquei sem nada. um mundo inteiro por descobrir" <br />Eu disse "..." <br /> <br />Eu disse "o que é que isso interessa?" <br />Tu disseste "...nada" <br /> <br />Tu disseste "agora procuro o desígnio da vida. às vezes penso encontrá-lo num bater de asas, num murmúrio trazido pelo <br />vento, no piscar de um néon. escrevo páginas e páginas a tentar formalizá-lo. depois queimo tudo e prossigo a minha <br />busca" <br />Eu disse "eu não faço nada. fico horas a olhar para uma mancha na parede" <br />Tu disseste "e nunca sentiste a mancha a alastrar, as suas formas num palpitar quase imperceptível?" <br />Eu disse "não. a mancha continua no mesmo sítio, eu continuo a olhar para ela e não se passa nada" <br />Tu disseste "e no entanto a mancha alastra e toma conta de ti. liberta-te do corpo. tu é que não vês" <br />Eu disse "o que é que isso interessa?" <br />Tu disseste "...nada" <br /> <br />Eu disse "o que é que isso interessa?" <br />Tu disseste "...nada" <br /> <br />Adolfo Luxúria Canibal
