Mãe, eu quero ir-me embora - a vida não é nada <br />daquilo que disseste quando os meus seios começaram <br />a crescer. O amor foi tão parco, a solidão tão grande, <br />murcharam tão depressa as rosas que me deram – <br />se é que me deram flores, já não tenho a certeza, mas tu <br />deves lembrar-te porque disseste que isso ia acontecer. <br /> <br />Mãe, eu quero ir-me embora - os meus sonhos estão <br />cheios de pedras e de terra; e, quando fecho os olhos, <br />só vejo uns olhos parados no meu rosto e nada mais <br />que a escuridão por cima. Ainda por cima, matei todos <br />os sonhos que tiveste para mim - tenho a casa vazia, <br />deitei-me com mais homens do que aqueles que amei <br />e o que amei de verdade nunca acordou comigo. <br /> <br />Mãe, eu quero ir-me embora - nenhum sorriso abre <br />caminho no meu rosto e os beijos azedam na minha boca. <br />Tu sabes que não gosto de deixar-te sozinha, mas desta vez <br />não chames pelo meu nome, não me peças que fique – <br />as lágrimas impedem-me de caminhar e eu tenho de ir-m <br />embora, tu sabes, a tinta com que escrevo é o sangue <br />de uma ferida que se foi encostando ao meu peito como <br />uma cama se afeiçoa a um corpo que vai vendo crescer. <br /> <br />Mãe, eu vou-me embora - esperei a vida inteira por quem <br />nunca me amou e perdi tudo, até o medo de morrer. A esta <br />hora as ruas estão desertas e as janelas convidam à viagem. <br />Para ficar, bastava-me uma voz que me chamasse, mas <br />essa voz, tu sabes, não é a tua - a última canção sobre <br />o meu corpo já foi há muito tempo e desde então os dias <br />foram sempre tão compridos, e o amor tão parco, e a solidão <br />tão grande, e as rosas que disseste que um dia chegariam <br />virão já amanhã, mas desta vez, tu sabes, não as verei murchar. <br /> <br />Maria do Rosário Pedreira