O Douro é um rio de vinho <br />que tem a foz em Liverpool e em Londres <br />e em Nova-York e no Rio e em Buenos Aires: <br />quando chega ao mar vai nos navios, <br />cria seus lodos em garrafeiras velhas, <br />desemboca nos clubes e nos bars. <br /> <br />O Douro é um rio de barcos <br />onde remam os barqueiros suas desgraças, <br />primeiro se afundam em terra as suas vidas <br />que no rio se afundam as barcaças. <br /> <br />Nas sobremesas finas, as garrafas <br />assemelham cristais cheios de rubis, <br />em Cape-Town, em Sidney, em Paris, <br />tem um sabor generoso e fino <br />o sangue que dos cais exportamos em barris. <br />As margens do Douro são penedos <br />fecundados de sangue e amarguras <br />onde cava o meu povo as vinhas <br />como quem abre as próprias sepulturas: <br />nos entrepostos dos cais, em armazéns, <br />comerciantes trocam por esterlino <br />o vinho que é o sangue dos seus corpos, <br />moeda pobre que são os seus destinos. <br /> <br />Em Londres os lords e em Paris os snobs, <br />no Cabo e no Rio os fazendeiros ricos <br />acham no Porto um sabor divino, <br />mas a nós só nos sabe, só nos sabe, <br />à tristeza infinita de um destino. <br /> <br />O rio Douro é um rio de sangue, <br />por onde o sangue do meu povo corre. <br />Meu povo, liberta-te, liberta-te!, <br />Liberta-te, meu povo! – ou morre. <br /> <br />Joaquim Namorado