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Castro Alves - O Navio Negreiro

2015-07-09 4 Dailymotion

O Navio Negreiro - Castro Alves <br />I <br />'Stamos em pleno mar... Doudo no espaço <br />Brinca o luar — dourada borboleta; <br />E as vagas após ele correm... cansam <br />Como turba de infantes inquieta. <br />'Stamos em pleno mar... Do firmamento <br />Os astros saltam como espumas de ouro... <br />O mar em troca acende as ardentias, <br />— Constelações do líquido tesouro... <br />'Stamos em pleno mar... Dois infinitos <br />Ali se estreitam num abraço insano, <br />Azuis, dourados, plácidos, sublimes... <br />Qual dos dous é o céu? qual o oceano?... <br />'Stamos em pleno mar. . . Abrindo as velas <br />Ao quente arfar das virações marinhas, <br />Veleiro brigue corre à flor dos mares, <br />Como roçam na vaga as andorinhas... <br />Donde vem? onde vai? Das naus errantes <br />Quem sabe o rumo se é tão grande o espaço? <br />Neste saara os corcéis o pó levantam, <br />Galopam, voam, mas não deixam traço. <br />Bem feliz quem ali pode nest'hora <br />Sentir deste painel a majestade! <br />Embaixo — o mar em cima — o firmamento... <br />E no mar e no céu — a imensidade! <br />Oh! que doce harmonia traz-me a brisa! <br />Que música suave ao longe soa! <br />Meu Deus! como é sublime um canto ardente <br />Pelas vagas sem fim boiando à toa! <br />Homens do mar! ó rudes marinheiros, <br />Tostados pelo sol dos quatro mundos! <br />Crianças que a procela acalentara <br />No berço destes pélagos profundos! <br />Esperai! esperai! deixai que eu beba <br />Esta selvagem, livre poesia <br />Orquestra — é o mar, que ruge pela proa, <br />E o vento, que nas cordas assobia... <br />.......................................................... <br />Por que foges assim, barco ligeiro? <br />Por que foges do pávido poeta? <br />Oh! quem me dera acompanhar-te a esteira <br />Que semelha no mar — doudo cometa! <br />Albatroz! Albatroz! águia do oceano, <br />Tu que dormes das nuvens entre as gazas, <br />Sacode as penas, Leviathan do espaço, <br />Albatroz! Albatroz! dá-me estas asas. <br />II <br />Que importa do nauta o berço, <br />Donde é filho, qual seu lar? <br />Ama a cadência do verso <br />Que lhe ensina o velho mar! <br />Cantai! que a morte é divina! <br />Resvala o brigue à bolina <br />Como golfinho veloz. <br />Presa ao mastro da mezena <br />Saudosa bandeira acena <br />As vagas que deixa após. <br />Do Espanhol as cantilenas <br />Requebradas de langor, <br />Lembram as moças morenas, <br />As andaluzas em flor! <br />Da Itália o filho indolente <br />Canta Veneza dormente, <br />— Terra de amor e traição, <br />Ou do golfo no regaço <br />Relembra os versos de Tasso, <br />Junto às lavas do vulcão! <br />O Inglês — marinheiro frio, <br />Que ao nascer no mar se achou, <br />(Porque a Inglaterra é um navio, <br />Que Deus na Mancha ancorou), <br />Rijo entoa pátrias glórias, <br />Lembrando, orgulhoso, histórias <br />De Nelson e de Aboukir.. . <br />O Francês — predestinado — <br />Canta os louros do passado <br />E os loureiros do porvir! <br />Os marinheiros Helenos, <br />Que a vaga jônia criou, <br />Belos piratas morenos <br />Do mar que Ulisses cortou, <br />Homens que Fídias talhara, <br />Vão cantando em noite clara <br />Versos que Homero gemeu ... <br />Nautas de todas as plagas, <br />Vós sabeis achar nas vagas <br />As melodias do céu! ... <br />III <br />Desce do espaço imenso, ó águia do oceano! <br />Desce mais ... inda mais... não pode olhar humano <br />Como o teu mergulhar no brigue voador! <br />Mas que vejo eu aí... Que quadro d'amarguras! <br />É canto funeral! ... Que tétricas figuras! ... <br />Que cena infame e vil... Meu Deus! Meu Deus! Que horror! <br />IV <br />Era um sonho dantesco... o tombadilho <br />Que das luzernas avermelha o brilho. <br />Em sangue a se banhar. <br />Tinir de ferros... estalar de açoite... <br />Legiões de homens negros como a noite, <br />Horrendos a dançar... <br />Negras mulheres, suspendendo às tetas <br />Magras crianças, cujas bocas pretas <br />Rega o sangue das mães: <br />Outras moças, mas nuas e espantadas, <br />No turbilhão de espectros arrastadas, <br />Em ânsia e mágoa vãs! <br />E ri-se a orquestra irônica, estridente... <br />E da ronda fantástica a serpente <br />Faz doudas espirais ... <br />Se o velho arqueja, se no chão resvala, <br />Ouvem-se gritos... o chicote estala. <br />E voam mais e mais... <br />Presa nos elos de uma só cadeia, <br />A multidão faminta cambaleia, <br />E chora e dança ali! <br />Um de raiva delira, outro enlouquece, <br />Outro, que martírios embrutece, <br />Cantando, geme e ri! <br />No entanto o capitão manda a manobra, <br />E após fitando o céu que se desdobra, <br />Tão puro sobre o mar, <br />Diz do fumo entre os densos nevoeiros: <br />"Vibrai rijo o chicote, marinheiros! <br />Fazei-os mais dançar!..." <br />E ri-se a orquestra irônica, estridente. . . <br />E da ronda fantástica a serpente <br />Faz doudas espirais... <br />Qual um sonho dantesco as sombras voam!... <br />Gritos, ais, maldições, preces ressoam! <br />E ri-se Satanás!... <br />V <br />Senhor Deus dos desgraçados! <br />Dizei-me vós, Senhor Deus! <br />Se é loucura... se é verdade <br />Tanto horror perante os céus?! <br />Ó mar, por que não apagas <br />Co'a esponja de tuas vagas <br />De teu manto este borrão?... <br />Astros! noites! tempestades! <br />Rolai das imensidades! <br />Varrei os mares, tufão! <br />Quem são estes desgraçados <br />Que não encontram em vós <br />Mais que o rir calmo da turba <br />Que excita a fúria do algoz? <br />Quem são? Se a estrela se cala, <br />Se a vaga à pressa resvala <br />Como um cúmplice fugaz, <br />Perante a noite confusa... <br />Dize-o tu, severa Musa, <br />Musa libérrima, audaz!... <br />São os filhos do deserto, <br />Onde a terra esposa a luz. <br />Onde vive em campo aberto <br />A tribo dos homens nus... <br />São os guerreiros ousados <br />Que com os tigres mosqueados <br />Combatem na solidão. <br />Ontem simples, fo

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