Apercebo-me que estou perto. <br />Um arrepio atravessa-me. <br />Há muitos anos não estou tão próximo <br />deste lugar incerto. <br />Saí de casa um menino, <br />procurando a lucidez <br />entre o sábio e o divino, <br />encontrando na viagem, <br />nitidez. <br />Ali está ela, <br />a casa do canto, <br />com a mesma porta... <br />e à volta dela <br />o mesmo encanto, <br />do perdido Pátio Gaivota... <br />Nos vasos, outras flores, <br />no ar, já sem o veneno <br />das passadas dores, <br />transpira um trapo <br />mais sereno... <br /> <br />A porta abre-se, <br />revela uma criança de sorriso ardente, <br />o mesmo sorriso ingénuo <br />agora de mim tão ausente! <br />É filha de alguém feliz! <br />Refugio a vergonha <br />por detrás de um cigarro, <br />e quando de lá dentro alguém diz <br />"Cuidado com algum carro!"... <br />a criança sonha! <br />O infante brinca indiferente, <br />alheio à minha tortura, <br />infligida pela lembrança <br />da negrura <br />desse Pátio Gaivota <br />do meu tempo de criança! <br />E este olhar pungente <br />o meu saber não enxota! <br />A criança passa correndo <br />e sou eu que vou lá, <br />brincando, <br />ardendo, <br />sonhando, <br />perdendo, <br />fumando, <br />esquecendo... <br />que a criança sofrendo, <br />afinal, <br />já lá não está. <br /> <br /> <br />Rui Diniz
