A poesia não está nas olheiras imorais de Ofélia <br />nem no jardim dos lilases. <br />A poesia está na vida, <br />nas artérias imensas cheias de gente em todos os sentidos, <br /> <br />A poesia não está nas olheiras imorais de Ofélia <br />nem no jardim dos lilases. <br />A poesia está na vida, <br />nas artérias imensas cheias de gente em todos os sentidos, <br />nos ascensores constantes, <br />na bicha de automóveis rápidos de todos os feitios e de todas as cores, <br />nas máquinas da fábrica e nos operários da fábrica <br />e no fumo da fábrica. <br />A poesia está no grito do rapaz apregoando jornais, <br />no vaivém de milhões de pessoas conversando ou praguejando ou rindo. <br />Está no riso da loira da tabacaria, <br />vendendo um maço de tabaco e uma caixa de fósforos. <br />Está nos pulmões de aço cortando o espaço e o mar. <br />A poesia está na doca, <br />nos braços negros dos carregadores de carvão, <br />no beijo que se trocou no minuto entre o trabalho e o jantar <br />— e só durou esse minuto. <br />A poesia está em tudo quanto vive, em todo o movimento, <br />nas rodas do comboio a caminho, a caminho, a caminho <br />de terras sempre mais longe, <br />nas mãos sem luvas que se estendem para seios sem véus, <br />na angústia da vida. <br /> <br />A poesia está na luta dos homens, <br />está nos olhos abertos para amanhã <br /> <br />Mário Dionísio
